Num destes programas televisivos que simulam uma discussão democrática com a participação de comuns cidadãos que telefonam a distribuir bitaites, ouvi algo que me deixou perplexo. Falava-se sobre a falta de médicos nos hospitais do estado e o conflito entre a prática privada e o serviço público. Quando um médico de trinta e poucos anos telefona e se defende dizendo que ganha muito mais trabalhando no privado, os participantes seguintes caíram-lhe em cima. Uma senhora insultou-o, que devia ter vergonha. Um antigo combatente comparou o seu serviço em prol da nação (palavras dele) ao médico, conferindo à profissão médica contornos de trabalho em nome de uma causa superior a que o indivíduo se entrega de corpo e alma, abdicando das suas necessidades pessoais.
Tenho más notícias para estes senhores. O médico é uma pessoa normal, com necessidades e desejos comuns à maioria da população. O trabalho de um médico pertence-lhe e ele tem o direito de o vender a quem quiser e pelo preço que bem entender. Ele escolhe seguir um código deontológico, mas isso não dá o direito a seja quem for exigir-lhe que trabalhe em prol de um abstracto bem comum.
Pensam, estes senhores, que o trabalho alheio lhes pertence. É a mentalidade opressiva do PRaEC (Processo Revolucionário ainda Em Curso).
4 comentários:
O problema é quando os hospitais se queixam de falta de médicos e contratam empresas privadas para colmatar as falhas. E quem é que essas empresas contratam? Muitas vezes contratam os próprios médicos que trabalham nesse hospital, só que pagando muito mais. Não faria mais sentido aumentar o salário aos médicos do que fazer outsourcing com os próprios médicos da casa? Nem falo da questão ética de conflito de interesse que isto causa aos médicos, mas que é uma questão de má gestão de fundos, sem dúvida que é.
E seria o mais lógico. Se precisas que os médicos lá estejam, paga mais e exige, contratualmente, a exclusividade se o desejares. Mas o médico tem que concordar.
Infelizmente esta é uma questão que está mal desde o início...
Esta contratação é só para tapar buracos, principalmente nas urgência (onde se nota mais) enquanto nas consultas as listas de espera aumenta, aumentam, aumentam...
Também não acho que pedir aos médicos para fazer mais (mesmo pagando) seja o caminho certo! Há alguns que fazem bem mais de 60h por semana pelo que mais também é complicado...
Na minha opinião a abordagem teria que ter 2 vertentes: 1º pôr os médicos que lá estão todos a trabalhar, em vez de estarem a cumprir horário (e não, aquela questão de picarem o ponto com a máquina de ler impressões digitais não resolve nada); 2º permitir a entrada de mais especialistas no quadro.
Não vejo vontade nem num sentido nem noutro...
PS: Acho ainda mais ridículo, fugindo um pouco (ou não) à questão de em alguns sítios (alguns hospitais do Porto, por exemplo) os médicos do INEM receberem pouco mais que uma mulher da limpeza por hora... Chegam a pagar-lhes 10-15€ por cada hora de trabalho...
Isto, penso eu, é primeiramente uma questão de péssima organização. Não existindo sistemas eficientes de triagem, todo o trabalho sofre atrasos; isto falando nas urgências. Quanto às consultas, que tal ser aplicado um sistema de contratos por objectivos, em que o número e a qualidade do serviço serviriam de mote ao pagamento de salários num sistema de níveis. As consultas aí aumentariam consideravelmente; ter-se-ia apenas de ponderar o número de consultas de cada nível, por cada especialidade, de forma a ser um sistema o mais justo possível.
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