sábado, fevereiro 28, 2009

Segurança a três tempos (capítulo 3º)

(continuação) (começa aqui e tem este entretanto)


Já com o passaporte de volta à minha mão, devidamente acompanhado pelo cartão de embarque, decidi-me a passar pela segurança antes que perdesse o vôo, que era já daí a duas horas e meia. Passei, descontraído, descalço, e sem cinto por dois postos de controlo, sempre de passaporte e cartão de embarque lado a lado. Já na fila para embarcar, resolvi fazer algo que podia ter feito logo no balcão de check-in. Olhar para o cartão de embarque. Pedro Gonçalves. Pedro Gonçalves? Resolvi verificar o meu passaporte, não fosse eu estar errado, confirmando que me chamo realmente Gonçalo Taipa Teixeira. Passei, lembro, por dois controlos de segurança de passaporte em punho e talão de embarque ao lado. Ninguém viu nada. Resolvi disfarçar, a ver se a apertada segurança me deixava embarcar em nome de outra pessoa. Mas a Espanhola que horas antes me tinha ajudado com o Português reparou que os nomes não coincidiam. Comentou, a esperta hermana evidenciando uma perspicácia fora do comum, que devia ser por isso que não estava registada nenhuma reserva para a minha bagagem. De seguida, e sem grandes burocracias, a simpática morena resolveu o problema com mestria: traçou um risco a caneta azul por cima de Pedro Gonçalves e escreveu Almeida, Gonçalo Taipa no passe de embarque...
Ao entrar no avião, outra coisa me veio à cabeça: a minha mala estava com o nome errado, e havia uma reserva de uma mala que não tinha sido registada. "Vai dar confusão", pensei eu. Adivinhei.
Já sentado e sem saber se me ria ou ficava nervoso, fiquei a ver o pessoal de cabine a entrar e a sair do avião, a chamar o piloto, e este a pegar no intercomunicador para chamar o senhor Pedro Gonchalves (o cedilha faz-lhes confusão, compreenda-se). Não sou eu, fiquei sentado. Um rapaz foi lá à frente e foi levado porta fora. Provavelmente era ele o Pedro. O Sr Gonçalves sentou-se e o piloto pegou no intercomunicador de novo, desta vez para perguntar se havia no avião alguém chamado Almeida. Levantei o braço. O comissário veio pedir-me que o acompanhasse lá à frente. A minha pequena mala azul-escura estava tristemente pousada no topo da escada, à espera que eu a confirmasse como minha.
Depois de tudo isto, cheguei ao Funchal com uma mala que se declarava como sendo de outra pessoa, mas cheguei seguro. Muito seguro.

Segurança a três tempos (capítulo 2º)

(continuação) (começa aqui)


Passo a contar-vos:
Tudo começa no balcão de check-in do aeroporto de Bristol. Entreguei o meu passaporte para que a menina, branca, loura e roliça como uma Britânica tende a ser, encontrasse a minha reserva e verificasse a minha identidade. Encontrada a reserva, ela anuncia-me que vou ter de pagar pela peça de bagagem que acabara de declarar que queria mandar para o porão, já que na minha reserva não havia registo de eu ter pago tal serviço. Fui assertivo na minha garantia de que o tinha feito, ao que ela me pediu que provasse o dito pagamento. Só tinha uma coisa a fazer: ligar o meu Mac e mostrar-lhe o ficheiro PDF da reserva, onde o pagamento em causa vinha registado. Só depois de abrir o ficheiro se tornou evidente que a coisa não seria fácil. Eu tinha efectuado a reserva na minha língua materna, pelo que a simpática menina, conhecendo apenas linguagem de Shakespeare e J.K. Rowling, não podia entender muito mais que a imagem de bagagem e o dígito 1 ao lado. Isto confundiu a loura cabecinha. Por sorte (ou talvez não), a menina que atendia no balcão contíguo era do país das touradas e tomatadas. Demorou algum tempo até perceber que o "O" que estava por baixo do tal símbolo de bagagem (acompanhado de um número um, volto a lembrar) não era um zero, mas o equivalente ao "El" na língua da família Iglesias. "O passageiro" era o que se lia. Chegou ao ponto em que as duas, simpáticas e solícitas que eram, lá me permitiram embarcar a malinha sem pagar mais um pence. Um favor, fiquei com a impressão.


(continua)

Segurança a três tempos (capítulo 1º)

Quem, daqueles que têm contacto mais próximo e regular comigo, nunca me ouviu queixar, como um velho disco de vinil riscado, sobre as peripécias a que nos obrigam nos aeroportos nos dias que correm. A enervante gincana que nos impõem em nome de uma segurança bacoca faz-me desesperar quase sempre, mas também já me deu uma ou duas histórias (resisto, ainda, a "estórias", e o verificador ortográfico do editor do blogger concorda comigo) que me deram algum gozo e me permitem escarnecer do processo.
Foi aquela do senhor de meia-idade que resolveu responder ao segurança dos sapatos, no aeroporto de Gattwick, e quis ter certeza de que tinha autorização para se calçar depois de ver o seu calçado ser devidamente perscrutado aos raios X. O segurança ficou calado enquanto o senhor, sorridente, lhe citava Lord Acton: "All power corrupts." Levado pelo momento, eu próprio completei "Absolute power" e ele entrou em sintonia comigo "corrupts absolutely."
Também houve a vez que me pediram para abrir a mochila e mostrar o carregador do meu Mac. O rapaz ficou atrapalhado quando, depois de lhe fazer a vontade, comecei também a tirar o carregador do meu telemóvel de SIM Português, seguido do carregador do telefone em que eu uso o cartão Britânico. "That's OK. That's OK" dizia-me ele, enquanto eu ainda tirava mais um fio, que ligava ao carregador do Mac. E o sorriso que certificava a minha simpática colaboração nunca me abandonou.
Mas a minha mais recente ida a casa bateu todos os recordes.


(Continua)