terça-feira, dezembro 20, 2011

Monarquias republicanas e a cegueira dos dogmas

A morte de Kim Jong Il não me desperta nenhum sentido de obrigação politicamente correcta em lamentar a perda de uma vida humana. Fui educado (socialmente condicionado) a sentir pesar pela perda de uma vida humana, seja ela qual for, mas a enorme distância afectiva, social, moral e geográfica encarrega-se de purgar esse sentimento, como se de um parasita emotivo se tratasse. Sinto maior pesar quando mato um mosquito que, apesar de me incomodar, não fazia mais do que viver a sua vida.
Mas Kim Jong Il não era um mosquito. Era antes a personificação de um regime que se comporta como uma voraz parasita do povo norte-coreano. E o parasita não está morto. A sucessão de sangue, ao melhor estilo monárquico, foi assegurada.
O que mais me vai entristecendo, em volta deste pequeno acontecimento, é ver que existem portugueses que, quiçá tolhidos por um qualquer sentido de lealdade para com uma causa que recusam dar como torpe, prestam homenagem àquele indivíduo. Ou talvez seja por cegueira colectiva. Por isso assinalo esta data; não pela morte de um qualquer déspota por quem não nutro qualquer simpatia — antes pelo contrário — mas por haver, no meu país, quem me deseje, de sorriso esperançoso na cara, o mesmo destino dos escravos do regime da República Democrática Popular da Coreia (é mais monarquia, pelos vistos).
Por favor (!!!), patrícios, não se preocupem comigo. Prefiro viver sob o vil manto da liberdade.

segunda-feira, dezembro 05, 2011

O Herói de Vila do Conde

Estamos todos felizes, enquanto seres humanos capazes de empatia, com o resgate daqueles pescadores das Caxinas, Vila do Conde, naufragos da embarcação Virgem do Sameiro. Estamos felizes, e chamamos heróis àqueles que aguentaram condições pouco aconselháveis para salvarem a própria vida — nada de novo aqui. Também atribuímos heroísmo, merecido, aos militares da Armada que realizaram o resgate. O que este caso tem de estranho — para quem não conhece a realidade Vilacondense — é a presença do Presidente da Câmara daquela que eu considero a minha segunda cidade nos degraus do autocarro de onde saíam, quase que derramados, ao encontro da multidão que declarava vitória. Mário de Almeida (para quem não conhece, é o senhor de cabeça luzidia, bem visível na reportagem videográfica do acontecimento, estacionado nos degraus da porta do autocarro), sem dúvida dominado por algum chamamento superior, lá se deslocou às Caxinas para, qual Martim Moniz, se interpor a um eventual fecho acidental da porta do autocarro. Alguns dirão, cobertos de inveja de tão nobre acto, que o Sr Presidente da Câmara lá foi para se imiscuir na aliviada festa daquela ansiosa e valorosa gente, aparecendo frente às câmaras de televisão. Esses serão vis tratantes, corrompidos pela inveja. Até porque os jornalistas, fosse de microfone ou câmara, não lhe prestaram atenção — mais do que devida! — nenhuma. Filmaram-no quase por acidente, de guarda aos degraus por onde saíam os pescadores que o mar poupou. O seu incomensurável — apesar de tímido — contributo para a segura descida dos homens do mar, tornou-o um alvo inevitável das câmaras. Uma inconveniência, no fundo.