Depois de tanto insinuar mudanças e defender a vocação, decidi confessar-me, finalmente.
Desde muito novo que adoro animais, que gozo da sua companhia, por vezes mais do que a de outros da minha espécie. Em casa da minha avó paterna, na Madeira, onde vivi desde os quatro anos de idade até os onze ou doze, passei dias entre uma matilha que chegou a atingir os dez cães, e convivi sempre com outros animais que viviam pela fazenda. Em Beiriz, Póvoa de Varzim, onde também tenho família, cheguei a passar uma tarde inteira com uma galinha ao colo por pena do susto que lhe pregaram com uma mangueirada que a molhou por inteiro. Não a larguei enquanto não estava seca, aquecendo-a contra o meu peito. Sempre me senti intrigado pelo comportamento dos animais, Homo sapiens incluído, e sempre tirei prazer em observá-los. Vi, sentado ao lado do meu pai, quase todos os documentários da vida selvagem que havia para ver na televisão da altura, até aparecer o filão dos documentários com o aparecimento da televisão por cabo (que no Funchal apareceu por volta de 1990/91, se não me engano, tornando-a a primeira cidade do país com este tipo de serviço), que também fui devorando.
Não é de admirar, portanto, chegada a altura de escolher uma área de estudo, do oitavo para o nono ano, que tivesse escolhido a área da saúde, com mais biologia no currículo. Devo confessar que, pelo que sempre esperaram de mim, pois o meu pai é médico, e pela facilidade com que passava de ano, mesmo praticando um desporto intenso como a canoagem (duas a quatro horas por dia, seis dias por semana), poucas outras hipóteses me restavam senão seguir o caminho da medicina. Mas as notas baixaram e o alívio subiu, devo confessar, quando acabei por escolher a biologia e o estudo dos animais como objectivo académico.
É preciso dizer, por esta altura, que tinha outros gostos muito fortes e que se manifestavam com alguma facilidade. Nas línguas divertia-me a imitar as diferentes pronúncias que ouvia na televisão ou no cinema, e absorvia vocabulário com facilidade. A História fazia-me sentir importante, especialmente quando a professora me perguntava algo, e eu respondia além do necessário. Era como contar contos de outros tempos. E nas aulas de português, quebrava a cabeça com as gramáticas, e não passava de uma aluno mediano (ainda hoje tenho dificuldade em explicar porque é que se usa esta ou aquela palavra, à luz das regras da gramática), mas quando me pediam para escrever um texto, as amarras soltavam-se e as notas gramaticais eram compensadas pelo prazer e a liberdade.
Escrevo desde que aprendi a fazê-lo. O meu primeiro texto criativo, independente das aulas, foi escrito aos sete anos, para dar letra a uma simples música de guitarra clássica que aprendi a tocar no conservatório. Entretanto vi um texto meu ser publicado num jornal madeirense, pela comemoração do dia da árvore, e ganhei um concurso escolar de poesia, lá pelos treze anos.
Enquanto escorria a minha biologia (e a dos outros, porque as botânicas mais específicas, as microbiologias e biologias moleculares nunca me entraram no goto), fui sempre escrevendo. A princípio escondido, depois de algum tempo assumido, entre o Caderno Literário com que colaborei durante a minha passagem pelo ICBAS, e nas letras que escrevi para uma das tunas em que me meti, os “poemas de engate”, e o simples prazer de contar histórias. A certa altura estava decidido a acabar o curso de Biologia (o terceiro em que me metia, sem acabar nenhum dos anteriores), e conciliar as minhas duas paixões.
Oito anos passei no curso de biologia da FCUP, e é agora um martírio olhar para as sebentas de Fisiologia Vegetal, ou outras cadeiras do género. Desanimado, e convencido de que precisava de mais uma mudança, o meu paciente pai desafiou-me a acabar o curso no Reino Unido (o que aliás, fez logo no início, verdade seja dita, mas tive medo). Facilidade com a língua e um curso mais específico, sem as cadeiras que me provocam cegueira temporária, eram os argumentos. Agarrei a hipótese com unhas e dentes, e tomei a internet e o British Council de assalto.
Mas, durante o processo de procura, encontrei um curso, do tipo a que lá chamam de joint-honours, em que se estudam dois assuntos no mesmo curso, de biologia e escrita criativa. Fiquei excitado e falei com o meu “paitrocinador”, e pus-me a pensar com forte convicção naquela hipótese. Entre vários cursos que a partir daí descobri e analisei, candidatei-me a seis, fui aceite em quatro e retirei a candidatura aos outros dois, pois entre aqueles quatro estava já a minha primeira escolha.
Vou mudar a minha vida. Vou para o País de Gales, para esta Universidade, e aprender qualquer coisa, que sinto que me falta, com este curso. Se a escolha foi certa ou não, só o futuro me pode responder.
“E esta, hein?”
Desde muito novo que adoro animais, que gozo da sua companhia, por vezes mais do que a de outros da minha espécie. Em casa da minha avó paterna, na Madeira, onde vivi desde os quatro anos de idade até os onze ou doze, passei dias entre uma matilha que chegou a atingir os dez cães, e convivi sempre com outros animais que viviam pela fazenda. Em Beiriz, Póvoa de Varzim, onde também tenho família, cheguei a passar uma tarde inteira com uma galinha ao colo por pena do susto que lhe pregaram com uma mangueirada que a molhou por inteiro. Não a larguei enquanto não estava seca, aquecendo-a contra o meu peito. Sempre me senti intrigado pelo comportamento dos animais, Homo sapiens incluído, e sempre tirei prazer em observá-los. Vi, sentado ao lado do meu pai, quase todos os documentários da vida selvagem que havia para ver na televisão da altura, até aparecer o filão dos documentários com o aparecimento da televisão por cabo (que no Funchal apareceu por volta de 1990/91, se não me engano, tornando-a a primeira cidade do país com este tipo de serviço), que também fui devorando.
Não é de admirar, portanto, chegada a altura de escolher uma área de estudo, do oitavo para o nono ano, que tivesse escolhido a área da saúde, com mais biologia no currículo. Devo confessar que, pelo que sempre esperaram de mim, pois o meu pai é médico, e pela facilidade com que passava de ano, mesmo praticando um desporto intenso como a canoagem (duas a quatro horas por dia, seis dias por semana), poucas outras hipóteses me restavam senão seguir o caminho da medicina. Mas as notas baixaram e o alívio subiu, devo confessar, quando acabei por escolher a biologia e o estudo dos animais como objectivo académico.
É preciso dizer, por esta altura, que tinha outros gostos muito fortes e que se manifestavam com alguma facilidade. Nas línguas divertia-me a imitar as diferentes pronúncias que ouvia na televisão ou no cinema, e absorvia vocabulário com facilidade. A História fazia-me sentir importante, especialmente quando a professora me perguntava algo, e eu respondia além do necessário. Era como contar contos de outros tempos. E nas aulas de português, quebrava a cabeça com as gramáticas, e não passava de uma aluno mediano (ainda hoje tenho dificuldade em explicar porque é que se usa esta ou aquela palavra, à luz das regras da gramática), mas quando me pediam para escrever um texto, as amarras soltavam-se e as notas gramaticais eram compensadas pelo prazer e a liberdade.
Escrevo desde que aprendi a fazê-lo. O meu primeiro texto criativo, independente das aulas, foi escrito aos sete anos, para dar letra a uma simples música de guitarra clássica que aprendi a tocar no conservatório. Entretanto vi um texto meu ser publicado num jornal madeirense, pela comemoração do dia da árvore, e ganhei um concurso escolar de poesia, lá pelos treze anos.
Enquanto escorria a minha biologia (e a dos outros, porque as botânicas mais específicas, as microbiologias e biologias moleculares nunca me entraram no goto), fui sempre escrevendo. A princípio escondido, depois de algum tempo assumido, entre o Caderno Literário com que colaborei durante a minha passagem pelo ICBAS, e nas letras que escrevi para uma das tunas em que me meti, os “poemas de engate”, e o simples prazer de contar histórias. A certa altura estava decidido a acabar o curso de Biologia (o terceiro em que me metia, sem acabar nenhum dos anteriores), e conciliar as minhas duas paixões.
Oito anos passei no curso de biologia da FCUP, e é agora um martírio olhar para as sebentas de Fisiologia Vegetal, ou outras cadeiras do género. Desanimado, e convencido de que precisava de mais uma mudança, o meu paciente pai desafiou-me a acabar o curso no Reino Unido (o que aliás, fez logo no início, verdade seja dita, mas tive medo). Facilidade com a língua e um curso mais específico, sem as cadeiras que me provocam cegueira temporária, eram os argumentos. Agarrei a hipótese com unhas e dentes, e tomei a internet e o British Council de assalto.
Mas, durante o processo de procura, encontrei um curso, do tipo a que lá chamam de joint-honours, em que se estudam dois assuntos no mesmo curso, de biologia e escrita criativa. Fiquei excitado e falei com o meu “paitrocinador”, e pus-me a pensar com forte convicção naquela hipótese. Entre vários cursos que a partir daí descobri e analisei, candidatei-me a seis, fui aceite em quatro e retirei a candidatura aos outros dois, pois entre aqueles quatro estava já a minha primeira escolha.
Vou mudar a minha vida. Vou para o País de Gales, para esta Universidade, e aprender qualquer coisa, que sinto que me falta, com este curso. Se a escolha foi certa ou não, só o futuro me pode responder.
“E esta, hein?”
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