Fui hoje à praia. Na Ilha da Madeira, dizemos que vamos ao banho, já que as praias não abundam por aqui. Normalmente vou ao Clube Naval do Funchal (CNF), que representei como atleta federado de canoagem, e que frequento desde que me lembro, já que o meu pai é sócio, como o pai dele era sócio (um dos primeiros). Hoje em dia também eu sou sócio. A Quinta Calaça (complexo balnear do CNF), tem uma pequena extenção de calhau, a que alguns ainda se atrevem a chamar de praia, e que só serve para meia dúzia de regilas pré-pubescentes se divertirem com a inconstância das ondas, entre dois maciços de rocha, cimento (a parte mais antiga) e betão (nos acrescentos mais modernos). Para entrar na água temos que descer por escadas verticais ou, como eu, mergulhando directamente lá de cima. Não há pé a não ser no calhau, por isso não tenho escolha senão nadar. (Descobri estas duas fotos do CNF, um pouco insuficientes, mas...: esta, em que se vêem os dois maciços a que chamamos inadequadamente de cais; e esta, mais próxima, mas um pouco menos eucidativa, talvez, publicada no blogue Madeira). Introduzido o local, contar-vos-ei, agora, o meu dilema.
Ao chegar ao Clube, por mero acaso, olhei para o mastro que suporta as bandeiras do País, da Região e do CNF. Pequenina, encolhida por baixo da bandeira azul escura do Clube, esforçava-se por avisar os incautos uma bandeira amarela. Lembrando-me das multas, fiquei imediatamente apreensivo, pois teria que reavaliar o meu recreio, já que o esvoaçar do paninho amarelo me advertia para não nadar. Ir para a água, só com os pés no chão! A angústia aumentou quando olhei para o cais nascente (mais pequeno, e com menos actualizações), onde prefiro espreguiçar-me com vagar, e vi que o pequeno mastro atribuído àquele pedaço da Quinta Calaça não só sacudia outro bandeira amarela, como a completava em xadrez preto e branco. Ali o nadador-salvador não estava presente.
Revi, contrariado mas pensando em cumprir a lei, por mais que discorde dela, as minhas opções. Há uma piscina, cheia de barulhentas e irrequietas crianças que se advogam no direito de não sair de lá quando querem aliviar a bexiga, e alguns outros utentes que, por razões de idade ou azelhice, evitam até o mar de pano verde. Considerando esta solução muito desconfortável e algo claustrofóbica, olhei para a praia de calhau. As ondas, mais potentes que altas e barulhentas, arredondavam ainda mais os calhaus, rebolando-os uns contra os outros. Pareceu-me maior a probabilidade de ali me magoar num pé, ou até que um desiquilíbrio provocado por uma onda mais forte me rachar a cabeça, do que a de algum mal me acontecer no mar mais livre.
Torturado pela luta entre meu desejo em cumprir a lei, e a minha necessidade de me sentir mais seguro e confortável, angustiei aí uns três segundos, antes de tirar a roupa supérflua para um banho de mar (fiquei de calções, porque não gosto muito de mostrar o meu traseiro branco), e dirigir-me ao meu habitual poleiro de saltos para a água.
Nadei, num calmo percurso de ida e volta entre os dois cais, durante cerca de vinte minutos, assombrado pelo medo terrível de ser zelosamente importunado pelo nadador-salvador que ainda se mantinha no cais maior, ou de que estivessem à minha espera, de botas firmemente plantadas à beira de escada, os representantes da autoridade do Estado. Só não tive medo do mar, que nada mais fez que me manter à tona, e abrir-se às minhas braçadas, proporcionando-me momentos de saudável lazer.
Não me afoguei, nem fui protegido pelo Estado. Obrigado, fortuna.
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